A modernização das eleições sindicais a partir do uso da internet e da tecnologia dos softwares é apontada por especialistas como crucial para o fortalecimento da legitimidade desses processos. Apesar disso, alguns sindicalistas têm aproveitado o caráter de ‘novidade’ dos sistemas digitais para contestar os resultados dos pleitos a partir da tática de ‘judicialização estratégica’.
Historicamente, as eleições no âmbito dos sindicatos apresentam um alto índice de judicialização. Ou seja, de situações nas quais os próprios ativistas sindicais recorrem ao Poder Judiciário em busca de decisões que possam solucionar impasses internos da organização.
Essa característica advém, segundo o pesquisador Clovis Renato Costa Farias – doutor em direito pela Universidade do Ceará, de um índice histórico significativo de práticas nocivas desenvolvidas por essas entidades em seus pleitos, talvez devido à ausência de instrumentos estatutários mais democráticos.
Dentre os principais problemas identificados por Farias, a ‘falta de transparência’ e a ‘dificuldade de acesso’ são consideradas por ele elementos centrais a serem solucionados tanto nos pleitos tracionais presenciais como nos novos eletrônicos ou mistos.
Modernização das eleições sindicais confere legitimidade ao processo
Diante dessa observação, o especialista apontou – no artigo denominado “Eleições Sindicais: Tecnologia e Inovações Necessárias” – o maior uso do aparato tecnológico para a organização, execução e arquivamento transparente das eleições sindicais como decisivo para a mudança deste panorama.
“Na atualidade é inconcebível ver entidades sem amparo de sistemas tecnológicos e atuações com lisura e transparência”, introduziu o pesquisador – complementando na sequência.
“Como formas de solução contemporâneas e tecnológicas, têm surgido sistemas informacionais e instituições cada vez mais respeitadas na realização dos processos eleitorais, capazes de elidir praticamente a instabilidade gerada por eleições sindicais mal conduzidas”.
Segundo Farias, além de conferir essa transparência necessária às eleições, oferecer um sistema eleitoral capaz de operar de maneira remota amplia ainda questões fundamentais de acesso – aumentando, por conseguinte, a participação da base sindical nas deliberações.
Panagora surgiu para responder demanda do setor
Foi dentro deste contexto que a Pandora, empresa oriunda de técnicos respeitados do DIEESE -com mais de três décadas de serviços prestados às entidades dos movimentos sindicais, criou o ‘Panágora’.
Complexo e robusto em sua estrutura, utilizando tecnologias criptografadas e estruturação na nuvem AWS da Amazon para garantir a unicidade dos votos e a inviolabilidade das informações, o sistema tem – desde a chegada da Pandemia da Covid-19, possibilitado a realização de eleições sindicais práticas e seguras em diversas entidades do país.
Mesmo diante da credibilidade de 30 anos conferida por uma empresa como a Pandora, e da clara necessidade de modernização dos processos eleitorais sindicais – no entanto – alguns agentes decidiram explorar o caráter de novidade dessas tecnologias para contestar a legitimidade dos pleitos por meio da ‘judicialização estratégica’.
Segundo Farias, além de conferir essa transparência necessária às eleições, oferecer um sistema eleitoral capaz de operar de maneira remota amplia ainda questões fundamentais de acesso – aumentando, por conseguinte, a participação da base sindical nas deliberações.
Judicialização estratégica busca contestação, mesmo sem argumentos concretos
Popularizado no Brasil pelo artigo de Matthew M. Taylor, professor doutor do Departamento de Ciência Política da USP, e Luciano da Ros, professor doutor do Departamento de Sociologia e Ciência Política da UFSC, o conceito de judicialização como estratégia consiste na utilização de ações judiciais como forma de ganhar capital político a partir da ‘dúvida levantada’, ainda que, na prática, as irregularidades apontadas nem sequer existam.
Segundo os autores, essa estratégia propicia aos seus praticantes retardar ou impedir completamente a implementação de políticas públicas, ou desmerecê-las, ou ainda declarar sua oposição a elas.
De tal maneira que, os objetivos táticos da judicialização estratégica (retardar, impedir, desmerecer, declarar) – independem da base de preceitos legais (a forte crença de irregularidade ou inconstitucionalidade, por exemplo), para beneficiarem aqueles que ingressam com a ação.
“Ao contestar tais políticas nos tribunais, em outras palavras, pode-se fazer possível assegurar uma vitória sem que se chegue propriamente a uma vitória judicial”, destacaram os autores, utilizando trechos do livro ‘Derrotas Judiciais, Vitórias Políticas’, de autoria dos pesquisadores israelenses Yoav Dotan e Menachem Hofnung.
No mesmo artigo, Taylor e da Ros afirmaram ainda que – de maneira geral – os opositores consideram baixos os custos de desafiar a política nos tribunais, de modo que acabam havendo poucas razões para a não utilização da judicialização estratégica.
Exemplos de judicialização estratégica existem até mesmo no futebol
Recurso muito conhecido na política institucional e na realidade do fazer-sindical, a judicialização como estratégia chegou recentemente ao mundo do futebol.
O caso mais recente se deu nas últimas eleições presidenciais do Club de Regadas Vasco da Gama, em novembro de 2020.
Na ocasião, o clube recebeu uma autorização prévia para realizar seu pleito de maneira online no dia 14/11 – autorização esta ‘anulada’ de maneira monocrática por um desembargador do TJ-RJ, que restabeleceu a data das eleições para o dia 7/11 em modalidade totalmente presencial.
Diante desta orientação, o Vasco da Gama realizou seu pleito no dia e na modalidade indicada pelo desembargador (7/11 – em modo presencial) – data na qual o candidato Luiz Roberto Leven Siano obteve a maior parte dos votos.
Na mesma data, 7/11, no entanto, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu a decisão monocrática do desembargador e autorizou – por definitivo – que a votação fosse realizada em âmbito virtual, no dia 14/11, eleição esta vencida por Jorge Salgado.
Após o resultado do pleito, a chapa de Siano – ainda que ciente do amparo legal da votação do dia 14 – judicializou o processo, tendo como argumento o ‘Estatuto Social do Vasco da Gama’ que prevê a votação presencial.
Ao julgar o caso, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça – Dias Toffoli, observou que a ação foi empregada indevidamente em lugar de um recurso, com a pretensão unicamente de reverter decisão judicial desfavorável aos interesses de um dos grupos.
As dúvidas na ‘cabeça’ dos torcedores vascaínos, no entanto, já estavam instaladas. E o processo – até hoje, pouco mais de um ano depois – divide torcedores quanto à percepção de legitimidade do pleito.
Ou seja, um caso clássico onde a judicialização estratégica rendeu seus frutos: derrota esperada na esfera judicial; vitória parcial no campo da percepção política.